CABOCLOS
E UM PEDIDO DE PAZ
A fumaça invadia todo o barracão e o ar foi tomado pelos cheiros das ervas. Era dia do culto aos povos das matas. Entidades antigas, que junto com os escravos fugidos aprenderam a cuidar não só da natureza, mas também da ancestralidade. Muito respeito, pois estava acontecendo a gira de caboclos.
Até hoje os velhos índios se manifestam. Agora como os caboclos, entidades cultuadas pelas religiões de matriz africana, como a umbanda. O babalorixá Nivaldo Geninho explica que eles são indígenas que se misturaram com os negros fugitivos, que traziam consigo a religiosidade de sua terra natal, Kimbundu, região hoje entendida por Angola, Congo e Guiné.
“Por não aceitarem serem escravizados, os primeiros índios a terem contato foram os tupinambás, que recebiam os negros fugidos do cativeiro”, diz Geninho, que ainda disse que o culto aos caboclos acontece de forma semelhante aos direcionado aos orixás, principais guias ancestrais.
O toque rápido dos atabaques e os cantos aos velhos índios ecoavam pelas paredes. Tão donos dessa terra quanto nós, eram louvados nos versos: Ô Jureminha/ Ô Juremáá/ Suas folhas caiu sereno/ Ô Jurema/ Dentro desse conga/ Salve São Jorge guerreiro/ Salve São Sebastião/ Salve a Cabocla Jurema/ Que nos deu a proteção.
Os caboclos se manifestaram incialmente no Kardecismo, através do médium Zélio Fernandino de Moraes. Porém os espíritos indígenas foram refutados pelas pessoas que davam mais credibilidade às manifestações de antigos nobres. Zélio então fundou a própria casa e cria a nova corrente que tratava das divindades brasileiras de forma africanizada, a umbanda.
Em todo o Brasil os caboclos são cultuados de diferentes formas. O babalorixá Alexandre Cheuen, iniciado há 30 anos, comenta alguns ritos: “Na Bahia existe a angola de caboclo que é o candomblé, cuidam deles de forma africanizada enquanto no Norte e Nordeste existe a Jurema que as pessoas são iniciadas por essas divindades”. O nome remete à uma árvore considerada sagrada, da qual se extrai, em conjunto com outras ervas, uma bebida utilizada em cultos.
Já vai já vai/ meu caboclo já vai/ já vai já vai/ vai na hora de deus/ auê auá/ a jurema mandou lhe chamar. É hora de se despedir das divindades das matas. O abraço apertado mostra a força que eles carregam consigo, deixando os devotos com as esperanças renovadas para encarar os desafios da vida. Eles se vão e deixam apenas um sentimento: O de paz.
Assim como os muitos povos indígenas carnais que são ameaçados por todo o Brasil, eles também sofrem com o preconceito de quem não entende as religiões de matriz africana. Índios e caboclos, povos de dois mundos. Que sofrem pela incompreensão e preconceito e estão em busca do mesmo objetivo: Paz. Axé!

Caboclo batizando uma criança
Foto: Arquivo Pessoal/Alexandre Cheuen