HISTÓRIA
Os primeiros registros que se tem sobre os povos Mbaya-Guaicuru são do século XVI, eles eram um conjunto de tribos, que por possuírem o idoma Guaikurú em comum, se uniram e assentaram na região do Gran Chaco paraguaio. Por possuírem características nômades e serem tradicionalmente lutadores, eles não praticavam a agricultura e viviam basicamente da caça e da pilhagem de outras aldeias.
Os Guaicurus e os Mbaya viviam nas margens opostas do rio Paraguai e tinham relação amistosa com os Payaguás, que utilizavam canoas. Com essa parceria eles tinham uma ampla área de influência, com uma sociedade que se assemelhava com o sistema de vassalagem europeu e trocavam produtos com outros povos, como mercadores. A prática permitiu que eles incorporassem elementos culturais de outros povos.
Com o avanço da colonização espanhola o Gran Chaco estava sendo cada vez mais habitado. Eles atacavam os Guaranis, aliados da Coroa Espanhola, estâncias e até mesmo a cidade de Assunção. Mesmo após saques e pilhagens, os índios voltavam para comercializar esses produtos nas aldeias. Logo o povo Mbaya-Guaicuru se tornou um problema para os colonizadores, mas as expedições para captura-los mostraram-se infrutíferas, visto que eles eram poderosos guerreiros.
Essa força é amplificada quando eles conseguem domesticar o cavalo. Os animais não são originários das Américas e foram trazidos pelos europeus no processo de colonização. O terreno da região do Gran Chaco paraguaio favorecia a criação e reprodução, mas com o tempo alguns foram soltos na natureza e se tornaram animais selvagens. Os Guaicurus os domaram e se tornaram uma sociedade equestre.
Domar os cavalos potencializou a eficiência do deslocamento deles. A partir deste momento eles poderiam visitar povos mais distantes, estabelecendo novas alianças e obtendo novas ferramentas, utilizando trocas. Evidentemente os equinos não ficaram restritos apenas ao deslocamento. O povo que já era conhecido pela capacidade de luta, ficou mais feroz. Os índios cavaleiros se tornaram a força dominante na região.

A arte é baseada na dissertação "A construção física, social e simbólica da reserva indígena Kadiweu, de Giovani José da Silva
Essa dominância fez o grupo expandir, chegando a possuir quase 8000 indivíduos no séc XVIII. O aborto e o infanticídio eram comuns na sociedade Guaicurus, visto que eles estavam em constante movimento e os bebês atrasavam o ritmo da marcha, então eles adotavam crianças prisioneiras e as criavam como parte do povo. No mesmo século, eles se estabeleceram na margem esquerda do rio Paraguai. E essa aproximação proporcionou a tentativa de diversas missões jesuítas.
Cabe ressaltar que essas missões já haviam sido bem sucedidas entre outros povos, mas não entre os Guaicurus. Devido ao caráter nômade eles não estavam sempre nos assentamentos, o que dificultava o processo de catequização. Mesmo após muitas tentativas, os jesuítas não conseguiram converter a maioria da população. Ainda assim, devido à intensificação de colonizadores espanhóis na região, eles foram obrigados a recuar e voltar ao lado brasileiro do rio.
A região que hoje é descrita pelo Mato Grosso possuía muitas minas de ouro e isso era motivo de disputa entre os colonizadores portugueses e espanhóis, que cobiçavam a área. Paralelamente a essa disputa, os Guaicurus atacavam os fortes e expedições de ambos os lados.
Junto com os canoeiros Payaguás, eles atacaram fortificações portuguesas pelo menos 12 vezes num período de 23 anos, até o enfraquecimento do pacto de amizade entre os dois povos. Para Coroa Portuguesa ficou clara a necessidade de ter os Guaicurus como aliados e não faltaram esforços para atrair a confiança deles, já que os cavaleiros estavam mais próximos dos espanhóis.
Os luso-brasileiros conseguem os valiosos aliados após um acordo, descrito por Astor Weber no artigo OS EYVIGUAYEGUI-MBAYÁ-GUAICURU: o Tratado de Paz de 1791, que basicamente tornou o povo aliado da coroa portuguesa. Agora eles tomariam conta das fronteiras e garantiriam os interesses econômicos de Portugal no Mato Grosso enquanto os Guaicurus manteriam a hegemonia e domínio na região.
Com o passar do tempo o interesse na área ficou mais intenso e era cada vez mais difícil manter os forasteiros longe do território Guaicurus. Até o início do século XIX os indígenas ainda eram maioria na região, mas esse panorama muda graças ao conflito que marca esse século: A guerra do Paraguai.
OS ÍNDIOS VÃO À GUERRA!
Conforme o interesse pela exploração da região do Mato Grosso crescia, cada vez mais não indígenas chegavam e tomavam territórios, baseados em decretos imperiais. O perfil nômade e o afinco com o qual mantinham seus territórios fez com que os Guaicurus fossem mal vistos pelos homens que chegavam ao interior do Brasil.
A região que hoje é o estado Mato Grosso do Sul era disputada pelo Brasil e Paraguai, assim como os direitos de navegação pelos rios da região, que era a melhor forma dos brasileiros chegarem a Cuiabá. Diante da tensão, em 1830 os Guaicurus recebem armas e são recrutados para atacar o país vizinho.
Em 1864, em função de problemas diplomáticos e interesses dos países Uruguai, Argentina e Brasil, é iniciado o conflito com o Paraguai. Todos os povos da região são convocados para lutar do lado Brasileiro. O artigo Notícias da guerra que não acabou: A Guerra do Paraguai (1864-1870): Rememorada pelos índios Kadiwéu, de Giovani José da Silva, relata como foi a atuação dos índios.
A entrada na guerra foi motivada basicamente pela necessidade de defender os próprios territórios dos paraguaios. Os índios lutaram na linha de frente, o que trouxe incalculáveis prejuízos para a população. Além das muitas baixas no conflito, houveram também as doenças que os não indígenas trouxeram de outras regiões e o vício em aguardente, adquirido após longo convívio com as tropas imperais.
Ao vencer a guerra, o Brasil cede o território no qual hoje se estabelecem as terras indígenas Kadiweu, no município de Porto Murtinho, no Mato Grosso do Sul, próximo à fronteira com o Paraguai, que só viria a ser homologada em 1984. Porém antes disso, muitas áreas pertencentes a esses povos foram tomadas pelos governantes da região. Terrenos foram vendidos e cada vez mais pressão era exercida sobre os indígenas.
E até hoje eles lutam por seu território. Segundo o portal Terras Indígenas no Brasil o principal risco está na exploração do terreno pelos fazendeiros, arrendamento para criação de gado e a exploração de madeira. Hoje, o povo Kadiweu, que resistiu, não possui mais a força de outrora, mas a contribuição para manutenção das fronteiras brasileiras os concedeu o direito à terra que hoje vivem. E esperam pelo dia no qual o povo que tanto guerreou, possa enfim descansar sem ter seus territórios ameaçados.